Alice Ruiz é coordenadora de debates na 16ª Jornada Nacional de Literatura

O encontro de Alice Ruiz com as palavras começou ainda na infância. Das primeiras frases colocadas no papel até hoje nunca mais se separaram. Desse encontro nasceram contos, poemas, músicas e haikais que fizeram de Alice um nome importante da literatura brasileira. Em outubro, entre os dias 2 e 6, a escritora tem um novo encontro com as palavras, dessa vez em Passo Fundo/RS, não com o objetivo de colocá-las no papel, mas para exercer um papel tão importante quanto esse: ao lado dos escritores Augusto Massi e Felipe Pena integra o time de novos coordenadores de debates da 16ª Jornada Nacional de Literatura, uma das maiores movimentações literárias da América Latina.
Poeta consagrada, Alice garante que não escolheu a poesia. “Não acho que foi uma decisão, não sinto como uma escolha, pelo contrário, acho que a arte nos escolhe e a poesia em especial. Talvez a gente tenha algum tipo de desvio e a poesia nos pega de soslaio”, brinca a escritora. De soslaio também parecem vir os poemas que, não necessariamente nascem de uma temática específica, mas do amor que a escritora nutre pelas próprias palavras. “Eu acho que tem muitos poemas sobre a própria palavra. Eu sou muito apaixonada pela palavra. Muitos poemas tiveram origem sobre o pensamento da própria palavra. Eu fico atenta a tudo que está acontecendo e de repente o que mais me move vai para o papel”, comenta.
Assim como a poesia, outro talento que nasceu de forma espontânea para a Alice foi a composição de canções. Foi graças à popularização do rock no Brasil – que coincidiu com sua pré-adolescência – que escreveu suas primeiras letras, mesmo sem saber. “Eu cantava algumas músicas, mas queria saber o que estava cantando, então comecei a brincar de traduzir. Quando meu inglês não dava conta, eu inventava, mas sempre dentro a melodia procurando ser fiel às rimas e à emoção que a melodia transmitia. Estava me tornando letrista e não sabia. Mais uma vez não foi intencional”, lembra.
Apesar da naturalidade com que entrou nos dois mundos, Alice faz questão de deixar claro que poema e música, mesmo que se cruzem em determinados momentos, são muito diferentes. Na opinião dela, a letra tem características próprias, pede mais coloquialidade e muito mais diretidade do que o poema no papel. A principal questão, no entanto, é o tempo. “O tempo que o poema pede é amplo, você pode ir e voltar várias vezes. Às vezes você não entende de primeira, mas pode voltar. A letra não, para ela captar a sua atenção tem que ser imediatamente ou não. Acho que essa é a principal diferença”, explica. O que os assemelha, é que, para Alice, tanto um quanto o outro precisam nascer de uma ideia.
Natureza e feminismo
Essa ideia, no caso do haikai, pode vir da própria natureza. Formato de poema constituído de três versos, muito comum no Japão, com temática geralmente associada à observação da natureza, o haikai se popularizou no Brasil principalmente pelo trabalho que Alice desenvolve. Sobre o formato, a escritora conta que o que mais lhe encanta é a concisão e o fato de ser sobre a natureza, outra de suas paixões. “Eu moro em uma casa e tenho jardim, mas se não tivesse um teria vasos cheios de plantas, porque preciso estar sempre lidando com a terra, plantando, vendo brotar, isso me alimenta. Quando eu me deparei com o haikai pela primeira vez eu já fazia alguma coisa parecida, percebi que tinha um embrião de haikai no que eu fazia e comecei a estudar”, comenta. Foram mais de 20 anos de estudo até que Alice começasse a ensinar.
Além do estudo do haikai, Alice também dedicou parte de sua vida a estudar o feminismo. Quando nova, conta que era considerada a ovelha negra da família. “Chamavam-me de rebelde”, lembra. Foi nas páginas de Memórias de Uma Moça Bem Comportada, da escritora Simone de Beauvoir, que entendeu que nada tinha de revoltada. “Eu simplesmente não me submetia a um sistema que considerava injusto, então comecei a ler e estudar muito sobre o feminismo”, conta. Apesar dos anos de estudo, Alice garante que só passou a entender visceralmente a desigualdade quando sua filha Áurea começou, ainda muito pequena, a imitá-la. “Eu percebi que por mais teoria que a gente tivesse - porque eu me reunia com amigas e conversava muito sobre isso - ainda assim eu me via reproduzindo atitudes machistas e a minha filha me mostrou isso me imitando como um espelho. Foi quando eu parei tudo e falei ação!”, ressalta.
Do outro lado do balcão
Em outubro, Alice sobe ao palco da 16a Jornada Nacional de Literatura para mediar importantes debates. Para ela, que já participou da Jornada em 1991, dessa vez é como estar do outro lado do balcão, desempenhando um papel completamente diferente. “E eu achei maravilhoso isso porque desafia e tudo que nos desafia é bem-vindo. Eu estava pensando bastante em como conduzir esses debates e quero conhecer bem os autores que eu vou mediar. Acho que tudo que eu já admirei em mediações das quais eu era a mediada e tudo que eu achei que não se deve fazer eu vou levar em conta para desempenhar essa função”, ressalta.
Sobre levar questões importantes como a igualdade de gêneros a um espaço como o da Jornada ela é categórica: “Acho que nós estamos em um momento muito contraditório em relação a esse tema. Por um lado estamos vendo um projeto de retrocesso muito grande e por outro um avanço muito grande e nós não estamos querendo abrir mão das conquistas já adquiridas e também não estamos tolerando mais essa violência. É uma coisa que a gente precisa discutir e muito e acho importante se levar a público e num evento que reúne pessoas dispostas a pensar, finaliza.
Mais sobre a escritora
Poeta e haikaista, Alice Ruiz nasceu em Curitiba, Paraná, em 22 de janeiro de 1946. Começou a escrever contos com 9 anos de idade, e versos aos 16. Aos 26 anos publicou pela primeira vez seus poemas em revistas e jornais culturais. Lançou seu primeiro livro aos 34 anos. De lá para cá publicou 21 livros, 21 livros, entre poesia, traduções e uma história infantil.
Compõe letras desde os 26 anos - tem diversas canções gravadas por parceiros e intérpretes. Lançou, em 2005, seu primeiro CD, o Paralelas, em parceria com Alzira Espíndola, pela Duncan Discos, com as participações especialíssimas de Zélia Duncan e Arnaldo Antunes. Para conhecer essas gravações e os parceiros da poeta, dê uma olhadinha na Discografia
Antes da publicação de seu primeiro livro, Navalhanaliga, em dezembro de 1980, já havia escrito textos feministas, no início dos anos 1970 e editado algumas revistas, além de textos publicitários e roteiros de histórias em quadrinhos. Alguns de seus primeiros poemas foram publicados somente em 1984, quando lançou Pelos Pêlos pela Brasiliense. Já ganhou vários prêmios, incluindo o Jabuti de Poesia, de 1989, pelo livro Vice Versos e o Jabuti de Poesia, de 2009, pelo livro Dois em Um.
Já participou do projeto Arte Postal, pela Arte Pau Brasil; da Exposição Transcriar - Poemas em Vídeo Texto, no III Encontro de Semiótica, em 1985, SP; do Poesia em Out-Door, Arte na Rua II, SP, em 1984; Poesia em Out-Door, 100 anos da Av. Paulista, em 1991; da XVII Bienal, arte em Vídeo Texto e também integrou o júri de 8 encontros nacionais de haikai, em São Paulo.
Tem poemas traduzidos e publicados em antologias nos Estados Unidos, Bélgica, México, Argentina, Espanha e Irlanda, tendo sido também convidada como palestrante na Bienal de Lenguas da América no México e na Europalia Brasil em Bruxelas.
A Jornada
A 16ª Jornada Nacional de Literatura é realizada pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pela Prefeitura de Passo Fundo. As Jornadas Literárias renderam à cidade o título de Capital Nacional da Literatura, reconhecida pela lei nº 11.264/2006, e de Capital Estadual de Literatura, pela lei nº 12.838/2007. Nesta edição, além de serem realizadas no Campus I da UPF, as atividades serão estendidas por diversos espaços culturais de Passo Fundo, com ações como o “Projeto transversais: rotas leitoras”, o “Livros na mesa: leituras boêmias” e o “Caminho das artes”.
Em 2017, as Jornadas Literárias também homenagearão quatro grandes escritores brasileiros: Moacyr Scliar, Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector, contemplando sua trajetória e as obras que marcaram suas carreiras. Os espaços da Jornada receberão o nome desses escritores.
O Palco de Debates, denominado nesta edição de Palco da Compadecida, ressurge dentro da grande lona, agora denominada Espaço Suassuna. Para comandar as temáticas da Jornada, foram convidados Augusto Massi, Felipe Pena e Alice Ruiz, que mediarão os seguintes debates: “Por elas: a arte canta a igualdade”, “Centauro, pedra, rosa e estrela: Scliar, Suassuna, Drummond, Clarice”, “Monstros e outros medos colecionáveis” e “Literatura e imagem: além dos limites do real”. Entre os escritores confirmados estão Affonso Romano de Sant'Anna, Bráulio Tavares, Cintia Moscovich, Conceição Evaristo, Julián Fuks, Marina Colasanti, Mário Corso, Michel Laub, Nádia Battella Gotlib, Pedro Gabriel, Rafael Coutinho e Zeca Camargo.
Mais informações sobre a Jornada Nacional de Literatura podem ser obtidas por meio do site do evento (www.upf.br/16jornada).
Por: Assessoria de Imprensa
(Fotos: Divulgação)